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Direito de Reembolso por Desistência de Voo: Possibilidades e Conflito de Normas

  • Demosthenes Advocacia
  • 27 de abr.
  • 5 min de leitura

Ao desistir de um voo, o passageiro tem direito a reembolso, cujas condições variam conforme diferentes previsões legais e normativas: a Resolução nº 400 da ANAC, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Civil (CC). É crucial entender essas normas para saber quais são as possibilidades de reembolso e os fundamentos para contestar cobranças abusivas.


Existem, fundamentalmente, três bases legais principais que podem fundamentar o pedido de reembolso, levando a diferentes resultados:


1. Reembolso Integral Imediato (Base: Resolução ANAC nº 400, Art. 11)


De acordo com a Resolução nº 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), o passageiro tem o direito de desistir da passagem aérea sem qualquer ônus financeiro, desde que preencha dois requisitos cumulativos:

  • A desistência seja manifestada em até 24 (vinte e quatro) horas a partir do recebimento do comprovante da aquisição da passagem aérea.

  • A compra da passagem aérea tenha sido realizada com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data prevista para o voo.


Cumprindo ambos os requisitos, o passageiro tem direito ao reembolso integral dos valores pagos, sem a cobrança de taxas ou multas pela companhia aérea.


Exemplo: João comprou passagem em 25/04/2025 para voar em 05/05/2025 (10 dias de antecedência). Desistiu e pediu reembolso em 26/04/2025 (menos de 24h após a compra). Como cumpriu os dois requisitos (mais de 7 dias de antecedência do voo E desistência em 24h da compra), João tem direito ao reembolso integral pela regra da ANAC.


2. Reembolso Integral por Direito de Arrependimento (Base: Código de Defesa do Consumidor – CDC, Art. 49)


O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), em seu Artigo 49, garante o chamado Direito de Arrependimento. Este direito se aplica a compras ou contratações de serviços realizadas fora do estabelecimento comercial, como por telefone, internet (sites ou aplicativos), a domicílio, etc.


Nesses casos, o consumidor pode desistir da compra no prazo de 7 (sete) dias a contar da assinatura do contrato (compra da passagem) ou do recebimento do produto/serviço. Exercendo o direito de arrependimento dentro deste prazo, o consumidor tem direito ao reembolso integral de qualquer valor pago, incluindo taxas e fretes, sem a necessidade de justificar a desistência e sem arcar com qualquer ônus.


Este direito do CDC é distinto e, em muitos casos, mais benéfico que a regra das 24 horas da ANAC. Ele se aplica a compras a distância e concede um prazo de 7 dias para desistir, independentemente da proximidade da data do voo, desde que a compra tenha sido feita fora do estabelecimento comercial e a desistência ocorra em até 7 dias.


Jurisprudência: Tribunais têm reconhecido a prevalência do CDC sobre a ANAC neste ponto. Em um caso julgado pelo TJDFT, a passageira comprou passagem online e pediu cancelamento 7 dias depois. A companhia aérea negou o reembolso integral, alegando tarifa promocional não reembolsável e a regra da ANAC (que exige 24h). O Tribunal decidiu a favor da passageira, aplicando o Art. 49 do CDC, reconhecendo o direito ao reembolso integral no prazo de 7 dias para compras a distância.


3. Reembolso com Retenção Máxima de 5% (Base: Código Civil - CC, Art. 740)


Mesmo que as condições para o reembolso integral pela ANAC (24h/7d) ou pelo CDC (7 dias para compra a distância) não sejam atendidas, o passageiro ainda pode ter direito a reembolso com retenção limitada com base no Código Civil (Lei nº 10.406/2002).


O Artigo 740 do Código Civil, que trata do transporte de pessoas, prevê que o passageiro tem o direito de rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem. A condição é que a comunicação da desistência seja feita ao transportador em "tempo de ser renegociada" a passagem para outro passageiro.

Neste caso, o parágrafo 3º do mesmo artigo estabelece que o transportador terá o direito de reter, a título de multa compensatória, no máximo cinco por cento (5%) da importância a ser restituída ao passageiro.


O que seria "tempo hábil" não é fixado em lei, mas a interpretação judicial costuma considerar um prazo razoável que permita à companhia aérea revender o assento.


Considerando a prática de vendas de passagens até momentos antes do embarque, um prazo de 48 horas antes do voo, por exemplo, é frequentemente considerado tempo hábil suficiente para viabilizar essa renegociação, limitando a multa aos 5% previstos no CC.


Jurisprudência: A aplicação do Art. 740 do CC com a limitação de 5% de retenção é corroborada pela jurisprudência. O Tribunal de Justiça do Amazonas, em um caso onde a desistência ocorreu com aproximadamente 70 dias de antecedência do voo, considerou indevida a retenção integral do valor pela empresa e condenou a devolução dos valores, permitindo a retenção máxima de apenas 5%, conforme previsto no Código Civil, por haver tempo hábil para a renegociação da passagem.


A Ilegalidade da Resolução ANAC ao Tentar se Sobrepor às Leis


É fundamental compreender que a Resolução nº 400 da ANAC, por ser um ato normativo de uma agência reguladora, possui hierarquia inferior à das leis federais, como o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil.


Em um sistema jurídico hierárquico, uma norma de escalão inferior (como uma Resolução) não pode contrariar, limitar ou anular direitos estabelecidos por uma norma de escalão superior (como uma Lei). Permitir que uma Resolução infralegal restrinja direitos garantidos por uma Lei Federal representaria uma subversão da ordem jurídica e uma violação de princípios fundamentais.


Portanto, quando a Resolução ANAC nº 400 estabelece condições mais restritivas para o reembolso (a regra das 24h/7d) do que as previstas no CDC (7 dias para compra a distância) ou no Código Civil (reembolso com 5% de multa se houver tempo hábil), ela está, em tese, atuando de forma ilegal, pois tenta derrogar ou limitar direitos assegurados por leis federais de hierarquia superior, aprovadas democraticamente no congresso.


A jurisprudência pátria é firme em confirmar esta hierarquia. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), ao analisar um caso de desistência dentro do prazo do CDC, declarou expressamente que:


"Consigne-se que a Resolução 400/2016, da ANAC, que estabelece um prazo de 24 horas para cancelamento sem penalidades, não deve prevalecer sobre a lei consumerista, dado o déficit de legitimidade democrática da Resolução, não podendo derrogar lei votada e aprovada pelo parlamento, sob o risco de subversão do ordenamento jurídico (hierarquia normativa)." (Acórdão 1795923, 07068253220238070004)

Este entendimento reforça que, mesmo que a ANAC estabeleça regras mais restritas, o consumidor pode invocar os direitos mais amplos garantidos pelo CDC e pelo Código Civil, tornando a negativa de reembolso integral ou a aplicação de multas superiores a 5% potencialmente ilegais, dependendo das circunstâncias e do tempo de antecedência da desistência.


Citações dos Julgados Referenciados:

  • Acórdão 1795923, 07068253220238070004, Relator: ANTONIO FERNANDES DA LUZ, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 1/12/2023, publicado no DJe: 23/1/2024.

  • Apelação Cível Nº 0735390-04.2020.8.04.0001; Relator (a): Abraham Peixoto Campos Filho; Comarca: Manaus/AM; Órgão julgador: Terceira Câmara Cível; Data do julgamento: 11/08/2023; Data de registro: 11/08/2023.


Conclusão


Em suma, o passageiro que desiste de um voo possui diversas proteções legais que vão além da regra das 24h/7d da ANAC. Dependendo das circunstâncias da compra e do momento da desistência, pode ter direito ao reembolso integral pelo CDC (compra a distância em 7 dias) ou ao reembolso com retenção máxima de 5% pelo Código Civil (desistência em tempo hábil para revenda do assento). A jurisprudência tem reiteradamente confirmado que as leis federais (CDC e CC) se sobrepõem à Resolução da ANAC. Portanto, mesmo que a ANAC estabeleça regras mais restritas, o consumidor pode invocar os direitos mais amplos garantidos pelo CDC e pelo Código Civil, tornando a negativa de reembolso integral ou a aplicação de multas superiores a 5% potencialmente ilegais e passíveis de contestação judicial.




 
 
 

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